26 de dez. de 2011 6 Declarações de outras almas

Do recorte, resto, remendo

Imagem: mended

guardo 
o recorte 
do resto 
da lembrança 
que faz, 
da saudade, 
remendo.


t. prates
21 de dez. de 2011 10 Declarações de outras almas

Do mesmo, de novo

imagem: time manager

e o mesmo se repete.
de novo, o de novo
- que de novo só traz o nome
, desgastado no rolar do retorno.


quisera eu encontrar o vão
onde se escapa da redundância
dos atos falas ideias afetos e fatos
e ter, a cada novo tempo
uma ação,
um dizer,
um pensamento,
um sentir,
e fatos - novos
que me salvem da sensação usual
de que toda repetição
é em vão.


t. prates




"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". (...) a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir!"
[F. Nietzsche, em A Gaia Ciência]
5 de dez. de 2011 4 Declarações de outras almas

Da demora

Clique para ampliar.

, insistentemente, teimosamente.

t. prates
1 de dez. de 2011 10 Declarações de outras almas

Da perda-que-não-rouba


Ela perdeu.
Não era preciso - nem queria - que lhe dissessem que não-era-isso, se isso distorcia a realidade.
Porque perder não a roubava de si, não lhe tirava o-que-era.
Era isso, e admitir era libertador.
E vê: ainda vive. Senão intacta, ainda íntegra.

t. prates




‎'Então você acha que eu, euzinha, 
vou deixar de amar 
ou levar abraços 
ou escrever uma cartinha colorida 
ou dar um presente e ligar no meio do nada 
ou amarrar nesta árvore um laço de fita 
ou esconder poemas em sua casa 
ou desenhar um mapa na minha barriga 
ou plantar um girassol na janela 
porque você já não me ama mais? 
E o que tenho eu a ver com isso,
se você já não me ama mais?'

[Rita Apoena]

Imagem daqui.
27 de nov. de 2011 11 Declarações de outras almas

D'uma curta não-história de amor


(Prólogo)
Foram feitos um para o outro.

(Corpo)
Ela acreditava em acaso, ele em providência divina.

(Epílogo)
Nunca se encontraram.

t. prates
15 de nov. de 2011 15 Declarações de outras almas

Das questões retóricas



qual o motivo de não tê-la
se com os olhos a alcanço?
[estrela]

senão pássaro, qual o homem
pode tocá-la com os dedos?
[nuvem]

se minha razão não a alcança
haveria de não existir?
[esperança]

ainda que de agridoce sabor
como deixar de prová-lo?
[amor]

que se me pese a sua lida
como ousar maldizê-la?
[vida]

t. prates
9 de out. de 2011 16 Declarações de outras almas

Do haicai ôntico


o Homem
- esse ser que pensa,
esse ser que passa.


t. prates


Imagem: Le Penseur, de Rodin. Imagem original daqui, editada por mim.
6 de out. de 2011 9 Declarações de outras almas

Da ex-is-tên-cia-mo-sai-co

: porque eu preciso olhar no espelho e acreditar no que vejo. e ver o que ainda não sou para continuar aspirando a ser. se a imagem no espelho vira retrato, nada mais há o que esperar: o inferno é estático, gelidamente dantesco. só no céu, que é a possibilidade da mudança, há movimento. porque eu também sou aquilo que não sou. ser apenas o que sou é muito pouco. é sobrevivência. é aquém do além que ser exige.
vê: eu estou sendo. o gerúndio é a forma verbal da existência por excelência. eu minto a verdade do que sou apenas para experimentar novas formas de estar. é um fingir autêntico. finjo o que não sou para experimentar se, por ventura, posso ser. e a essa soma de estares, feita de tantas subtrações multiplicações e divisões, eu chamo existência. artesãos costumam chamar de mosaicos.

t. prates

Imagem daqui, modificada por mim.
2 de out. de 2011 9 Declarações de outras almas

Da crônica definitiva do primeiro-grande-último amor


Ouço o Notturno nº 2 de Chopin enquanto escrevo. Vem dele (que já foi meu-e-teu n'uma manhã, ao piano) a calma necessária para que eu pense os sentires e memórias e os coloque em palavra.
Das coisas que ainda restam a dizer, as repito por teimosia (tudo já foi dito e, ao mesmo tempo, nada. Tudo é muito pouco quando se trata de amor) - talvez para que a repetição me convença, em algum momento, que andar em círculos não faz com que a estrada curva se torne uma reta (acreditar no contrário é profissão de burrice, não de fé).
Das saudades que ainda transbordam a consciência que-procura-esquecer, as sinto como marca férrea e demarcante de algo que se prometeu intenso e inteiro - e foi, na medida atemporal do sentimento vivido. Só se tem saudade do que traz o sinal anímico e corporal do amor.
Das certezas que procuro para me convencer de que tudo que me era possível foi feito, acalenta-me aquela que me relembra que o afeto que eu te dediquei conteve em si toda a integridade, inteireza e inocência características d'um primeiro amor. Amei-te com toda a ingenuidade pueril que acredita que aquilo é pra sempre, sem-saber-que-o-pra-sempre-sempre-acaba.
Das aprendizagens que ficaram - pela dor -, aprendi que o amor não é única condição para se poder amar: tão imprescindível quanto, é dose imensa de ousadia e coragem, que devem ser tomadas dia após dia.
Das atitudes que tomei no depois, todas foram motivadas por uma espécie de instinto de autopreservação - minha bondade e meu amor pelo outro devem ter um limite: o de não ser cruel comigo mesma.

O meu amor eu conjugo no passado porque ele foi, de forma ativa, combatido. Não morreu morrido, mas matado. Era o que me restava, como efeito das tuas escolhas.
O ato heróico do meu amor foi, ainda que contrariado, respeitar a liberdade do teu escolher - essa foi a maior prova que ele, de si mesmo, pôde lhe dar.

Das expectativas que trago em relação ao porvir - que tudo se transforme, pelo tempo, em alicerce de vida, em palavra bem-dita, em memória indolor, em história da minh'alma.


t. prates
15 de set. de 2011 12 Declarações de outras almas

Do deserto de ser, decerto


n'um deserto de estar,
para encontrar
as fontes
de águas neutras e puras
cujo efeito é sustentar
e só
: é onde estou.
- deixo os gostos
para um outro tempo
de sentir.

t.prates

Imagem daqui.
1 de set. de 2011 12 Declarações de outras almas

Da vida possível



Comeu o pão que o Diabo amassou. 
Foi o que a salvou da fome. 
t. prates 
Imagem daqui.

27 de ago. de 2011 10 Declarações de outras almas

Da linguagem


Clique na imagem para ampliar.


Texto e edição meus.
Foto original aqui.
16 de ago. de 2011 16 Declarações de outras almas

Do salto, queda, fim e náusea

, porque eu quero esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer e eu admito ter que usar um monte de clichê para te dizer da minha revolta, que é tão apaixonada, e eu não acho difícil esquecer o que foi vivido; o pior é confiar no futuro, no que ainda é possível (ou não) de ser vivido depois de o vivido-de-fato ter me doído tanto e tanto e o sabor é tão amargo (juro que sinto um gosto amargo na boca ao escrever/sentir tudo isso), e eu abomino que você realize com a-que-não-sou-eu os planos que fizemos para nós dois - que pensassem em planos, rotas e lugares outros, porra!, você sabe a crueldade que é macular até um sonho? não, você não sabe, porque essa tua ingenuidade é egoísta e irresponsável, ah, como esse teu esforço de bondade me irrita!, como a labilidade dos teus lábios e afetos me convence!, e eu queria te ferir como eu fiz com os cartões que você me deu, que, amassados, nunca mais poderão prometer a ninguém o que quer que seja, nem mesmo um amor intenso e errado como foi o nosso, que serviu de 'experiência' para você e te abriu os olhos para um monte de coisa que você tinha o dever de ter olhado antes de me meter no meio da tua vida (esse amargo na boca me dá náuseas, assim como me enjoa reler as frases que você citou para mim e ouvir as músicas que você me ofereceu - não que eu o faça de propósito - por mim essas frases e canções poderiam desaparecer) e me vem uma ânsia legítima de te perdoar (me disseram que não é questão de perdão, mas eu já nem sei), mas o meu ódio te ama tanto que eu ainda não consigo, e eu só faço lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar da urgência de te esquecer, para poder seguir adiante, como eu me/te prometi. e eu... e você... 
e o salto, 
e a queda,
e o fim,

t. prates, julho/2011.

14 de ago. de 2011 7 Declarações de outras almas

Da ode à Eva


ave Eva,
cheia de curiosidade,
o senhor é convosco (ou não?),
bendita sois vós entre os humanos
e bendito é o fruto que comestes,
proibido.
mulher Eva,
cria de deus,
rogai por nós,
sedentos de saber,
agora e na hora
de nossa expulsão do éden, amém.

t. prates


“(...) grande pecado maior de não ousar o supremo
pecado, para se constituir humano e só, 
e divisar a face una e resplandecente, no
abismo oposto, que é feito de luz e de perdão!”
[Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada]

"Não há outro pecado além da estupidez."
[Oscar Wilde]


Inspirado após leitura de "a culpa é da Eva", de Rafaela Figueiredo e no respectivo comentário do Bruno de Andrade.
Com licença poética e mariana, amém.
12 de ago. de 2011 14 Declarações de outras almas

D'ocê


se eu acreditasse em um amor mais forte que a morte
se eu acreditasse em um amor mais forte
se eu acreditasse em um amor
se eu acreditasse
se eu
se
.

(não fosse o se,
eu teria escrito
um bonito poema de amor.)

t. prates

Imagem daqui.
30 de jul. de 2011 26 Declarações de outras almas

Do a-cor-dar

Puro Color 

a
cor
dei
: azul para hoje
(de um céu convidativo)
: cinza para ontem
(de algumas lembranças sombrias)
: branco para amanhã
(com todas as possibilidades
de cor
em si).


t. prates


Inspirado em 
"A-cor-dar: dar ao dia a cor que a gente quiser.", tweet de Flávia Queiroz.
26 de jul. de 2011 16 Declarações de outras almas

Da moça

foi-se o caso em que era uma vez a moça. a moça era. era tanto que se excedia em ser, e se atrapalhava toda quando tinha que estar.
estar exigia borda - havia de conter o ser para caber em si de forma a se dar
aos outros. dava-se de menos ou de mais - sempre errava na medida (talvez dar-se na medida seja a santidade/perfeição humana).
os outros. que não eram o inferno - havia candura no seu olhar-de-ver. ela olhava demais, de visão de dentro atenta para o fora profundo que são os outros.
dos outros se compadecia. não por ser melhor, mas por reconhecer a dificuldade própria no alheio: estão todos atrapalhados nas doses de si.
era uma vez a moça sendo. desmedida. mas sendo.

t. prates

Às moças Carina, Nanda e Geisa.

Imagem: Troche
19 de jul. de 2011 15 Declarações de outras almas

Da morad(ia)


onde já não estarei
no momento segundo
em que teus olhos mudarem de
                                         verso
- também não estou .
só assim para (eu) me encontrar
: procure-me no caminho.

t. prates

Imagem: Troche
10 de jul. de 2011 17 Declarações de outras almas

Do poemeto-e-sentimento dialético


Tese.
Eu te amo.

Antítese.
Eu te odeio.

Síntese.
Eu odeio te amar.


PS:
Há perdão para os que odeiam por amor?
Há perdão para os que plantam amor e deixam de cultivá-lo?
Espero que sim - para que eu possa, um dia, me/te perdoar.
3 de jul. de 2011 11 Declarações de outras almas

Da vez que será


quero a vida um poema-conto
onde eu possa permutar verbos
riscar personagens
desenhar cenários
refazer cenas
vestir eu-líricos
    (como as máscaras descansam!)
E era uma vez.

mas a realidade assim dita:
há começo meio e fim, nessa ordem restrita;
não se sabe o momento oportuno de entrar/sair de cena;
as paisagens são de uma concretude opressiva
    - ainda que sublimes, muitas; medonhas, outras;
as vivências não se passam a limpo
e eu me propus a ser autêntica
    (como se ser cansa!)

(Eu queria plantar as flores de plástico,
mas elas não brotam.)

re(comecemos):
Será uma vez, várias vezes..............................

t. prates

Imagem daqui.
29 de jun. de 2011 6 Declarações de outras almas

Do poder aquém


quero o sentimento subversivo,
que contrarie até a mim.
    queria não te pensar,
    mas trago o silêncio prolixo.
quero que essa alegria frágil
se transforme em angústia domada.
    queria o sorriso dos loucos
    que sabem que a vida é tão depressa.
quero o arpejo das cordas
que preenchem o espaço de infinito.
    queria a difícil aprendizagem
    de que a pausa na pauta também é música.
quero o céu de um azul obsceno,
mas é noite de estrelas recatadas.
    queria querer o que posso
    mas eu sempre quero além.

t. prates
27 de jun. de 2011 3 Declarações de outras almas

Do que é reto e possível


Todo mundo tinha que ter um caminho que fosse um retão... 
Por que tanto desvio?
|eduardo prates|


Estradas
                    nunca           retas.
                                são
Reta - apenas - pode ser a intenção do passo.

t. prates
21 de jun. de 2011 8 Declarações de outras almas

Das minhas reformas ao já-dito


i.  A esperança é a última que vive.
ii. Tu não te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, porque eternidade não é uma grandeza possível em escala humana.
iii. Ser ou não ser ou des-ser ou re-ser? Eis as questões.
iv. A vida é a arte do (des)encontro.
v. Não matarás. Mas mortes simbólicas são passíveis de exceção. Consulte seu terapeuta.
vi. Há mais ilhas de Lost do que supõe nossa vã filosofia.
vii. O quê os olhos não vêem, o meu coração intui.
viii. Enquanto houver vacas, não há porquê chorar pelo leite derramado.
ix. Me deixe só. Eu não tenho medo do escuro.
x.  Pode até ser que o inferno sejam os outros. Mas o céu está muito longe de ser o "nós mesmos".
xi.  Penso, logo desisto. (Essa eu roubei da Dri Godoy.) 
xii. Eu quase que nada sei, e ando desconfiada até daquilo que desconfio.
xiii. É preciso amar as pessoas como se não houvesse ontem.
xiv. Devíamos ter melhores meios para lidar com os fins.
xv. Lei da atração, que nada. O que funciona mesmo é a Lei de Murphy.
xvi. Fundamental é mesmo o amor-próprio. É impossível ser feliz cercado por uma multidão sem ele.

15 de jun. de 2011 12 Declarações de outras almas

Do quase-surto quase-cartesiano


penso, logo piro.
(E não descartes 
o oposto
: e pensar que a gente pensa 
para não pirar
e provar que
existe!)

t. prates


Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
[FernandoPessoa/RicardoReis]
8 de jun. de 2011 12 Declarações de outras almas

Do fingir autêntico


, como se tudo o que eu soubesse fosse fingir.
mas não é um fingir hipócrita, de intenção pensadamente enganosa. (quem dera fosse engano.)
é um fingir autêntico. desesperado. resiliente.
finjo palavras. forjo sentires.
finjo sorrisos. forjo desamor.
mas não é um desamor autêntico, de motivação intrinsecamente odiosa.
é um desamor hipócrita. falso. fingido.
eu forjo desamor para tentar fingir que a vida segue inócua. sem rasuras. remediada.
mas eu (te) amo.
(você não me ensinou a desamar.)

(A noite vem.)
A noite vem.
e quando cessam as luzes, os sons, as imagens, as esperanças, não se foge à solidão.
solidão é imune ao escuro.
e eu, cansada e inteira, lembro-me que eu havia fingido.
fingido para escapar. para (sobre)viver. para me misturar às matizes do dia para enganar a dor.
(Mas a noite vem.)
E olho, desa(r)mada, os olhos que antes sorriam - hipócritas. Hipocrisia me faz chorar.
(De tanto fingir, quem sabe um dia eu me surpreendo com a cura. Até lá, preciso seguir distraída.)

Amanhã tem dia.
É preciso que os olhos estejam secos.

t. prates



"O anel que tu me deste
era de vidro e se quebrou
e o amor não acabou,
mas em lugar de,
o ódio dos que amam."
[Clarice Lispector
na crônica Tempestade de almas]

Imagem daqui.
2 de jun. de 2011 32 Declarações de outras almas

Do verbo 'saudade'


trago em mim

saudades pretéritas
: perfeitas,
imperfeitas
e mais-que-perfeitas.

saudade é,
em mim,
um verbo (!)
de ligação
no infinit(iv)o.

t. prates

25 de mai. de 2011 25 Declarações de outras almas

Do tempo impassível


 Clique na imagem para ampliar.


Nesse embate entre
mim, Chronos e Kairos,
haja paciência.

Imagem original daqui.
Texto e edição meus.
21 de mai. de 2011 3 Declarações de outras almas

Da crônica quebrada de um amor interrompido

(Prólogo)
Crua.

receio do novo. intuição da dor.

amante da verdade. trauma do falso.

intensidade na entrega. aceitação do risco.

novidade de afeto. amor de ambos.

urgência de vida. pés no chão.


sigo expectante.

(Corpo)
Nua.

espectros de luz. espasmos de gozo.
transbordamento de sentires. inundação de quereres.
excesso de ânsia. falta de calma.

nós de nós. teu em mim.

partes de corpo. inteireza de alma.

sigo desejante.


(Epílogo)
Tua.

manhã de domingo. beijo na cama.
música de cor. canção de amor.

partilha de sonho. bilhete de avião.
cartão de poesia. sussurro de esperança.
abraço de despedida. lágrima de fim.


sigo avante.


t. prates

Imagem daqui.
15 de mai. de 2011 0 Declarações de outras almas

Da pequena canção pra te consolar




chora.desagua a dor que te tira a paz.

grita.
denuncia a raiva que te consome o peito.

cala.
emudece o medo que te oprime a esperança.

dorme.
anestesia o desespero que te nega o sono.

fala.
anuncia o futuro que te permite o tempo.

corre!

rouba da vida o que te for (im)possível.
(roubar a vida é direito teu, acredita!)


pro Du, meu irmão.
(se eu pudesse,sentia tua dor no teu lugar.)


t. prates


A vida te dará poucos presentes, acredita.
Se queres uma vida, é preciso que a roubes.
[Lou Andreas-Salomé]
10 de mai. de 2011 0 Declarações de outras almas

Da lição de Sísifo


Clique na imagem para ampliar


"E eu não aguento a resignação.
Ah, como devoro com fome e prazer a revolta."

[Clarice Lispector,
no excerto As crianças chatas,

do livro A descoberta do mundo]

***

"Ensina" Camus que é preciso
(é preciso, meudeus!) imaginar Sísifo feliz.***



Imagem original: El mito de Sisifo
Texto e edição meus.
Outra reflexão minha sobre a questão, aqui.
2 de mai. de 2011 0 Declarações de outras almas

Da palavra da salvação

você se dá conta de como a palavra é frágil? de como ela não é capaz de sustentar, por si mesma, fatos, planos, sonhos ou estados de ser? de como ela se dis-sol-ve à força do acaso, do devir, da vida que vem como maremoto?

eu me dou conta de como o domínio da palavra se estende, precariamente, apenas no aqui-e-agora? que o advento de poetas e cantadores nunca cessará, porque apesar de se cantar o que é eterno, a palavra nunca é definitiva? (isso me é impressionante: nunca (e aqui ouso dizer com todas as letras): NUNCA haverá um poema definitivo; tampouco uma música definitiva, uma obra de expressão humana definitiva).

você se dá conta de como a palavra é feroz? de como ela dá vida (ao que já contém em si semente de vida) e de como pode matar? de como é intensa sua ação de cura e também de dilaceração?

eu me dou conta de como palavras que pertencem à esfera do amanhã são puro ato de fé? que verbos conjugados no futuro é apenas uma aposta? (exceto o verbo morrer, de cumprimento garantido). e o quanto essa aposta no futuro tantas vezes nos faz conjugar mal os verbos que nos são possíveis-no-hoje (e possíveis só porque é hoje)?

você se dá conta de como a palavra pode ser dúbia? o quanto a boca também pode falar do que não-está cheio o coração? o quanto as palavras podem ser hipócritas? (o que não é possível ao sentir - pois sentir é inteiro: ou é ou não-é).

à palavra, como símbolo que é, só cabe aludir. e aludir é um esforço autêntico de representar, mas que acaba, tantas vezes, por limitar o real, dominá-lo e subjugá-lo. o real é sempre mais. o real é indomável.

e eu me dei conta de que existe algo que sobrepõe em força todas as limitações da palavra.
algo que é, de fato, o combustível humano em absolutamente todas as suas manifestações: o desejo. nada é feito sem ele. nenhum poema, nenhuma canção, nenhum tratado, estudo, experimento, negócio, relação - de que tipo for. nenhuma vida é feita e mantida e sobrevivida sem desejo. (e, como o sentir, pois é do domínio do sentir, o desejo é inteiro: ou é ou não-é).

e não: isso não é um "manifesto contra a palavra". é apenas reflexão. (e - talvez! - uma apologia ao desejo... Rs.)
ainda que na sua fragilidade, fugacidade, ferocidade, dubiedade - a palavra, muitas vezes, é o que me salva - legítima
"palavra da salvação".
 
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