e o mesmo se repete. de novo, o de novo - que de novo só traz o nome , desgastado no rolar do retorno.
quisera eu encontrar o vão onde se escapa da redundância dos atos falas ideias afetos e fatos e ter, a cada novo tempo uma ação, um dizer, um pensamento, um sentir, e fatos - novos que me salvem da sensação usual de que toda repetição é em vão.
t. prates
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". (...) a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir!"
: porque eu preciso olhar no espelho e acreditar no que vejo. e ver o que ainda não sou para continuar aspirando a ser. se a imagem no espelho vira retrato, nada mais há o que esperar: o inferno é estático, gelidamente dantesco. só no céu, que é a possibilidade da mudança, há movimento. porque eu também sou aquilo que não sou. ser apenas o que sou é muito pouco. é sobrevivência. é aquém do além que ser exige.
vê: eu estou sendo. o gerúndio é a forma verbal da existência por excelência. eu minto a verdade do que sou apenas para experimentar novas formas de estar. é um fingir autêntico. finjo o que não sou para experimentar se, por ventura, posso ser. e a essa soma de estares, feita de tantas subtrações multiplicações e divisões, eu chamo existência. artesãos costumam chamar de mosaicos.
Ouço o Notturno nº 2 de Chopin enquanto escrevo. Vem dele (que já foi meu-e-teu n'uma manhã, ao piano) a calma necessária para que eu pense os sentires e memórias e os coloque em palavra.
Das coisas que ainda restam a dizer, as repito por teimosia (tudo já foi dito e, ao mesmo tempo, nada. Tudo é muito pouco quando se trata de amor) - talvez para que a repetição me convença, em algum momento, que andar em círculos não faz com que a estrada curva se torne uma reta (acreditar no contrário é profissão de burrice, não de fé).
Das saudades que ainda transbordam a consciência que-procura-esquecer, as sinto como marca férrea e demarcante de algo que se prometeu intenso e inteiro - e foi, na medida atemporal do sentimento vivido. Só se tem saudade do que traz o sinal anímico e corporal do amor.
Das certezas que procuro para me convencer de que tudo que me era possível foi feito, acalenta-me aquela que me relembra que o afeto que eu te dediquei conteve em si toda a integridade, inteireza e inocência características d'um primeiro amor. Amei-te com toda a ingenuidade pueril que acredita que aquilo é pra sempre, sem-saber-que-o-pra-sempre-sempre-acaba.
Das aprendizagens que ficaram - pela dor -, aprendi que o amor não é única condição para se poder amar: tão imprescindível quanto, é dose imensa de ousadia e coragem, que devem ser tomadas dia após dia.
Das atitudes que tomei no depois, todas foram motivadas por uma espécie de instinto de autopreservação - minha bondade e meu amor pelo outro devem ter um limite: o de não ser cruel comigo mesma.
O meu amor eu conjugo no passado porque ele foi, de forma ativa, combatido. Não morreu morrido, mas matado. Era o que me restava, como efeito das tuas escolhas.
O ato heróico do meu amor foi, ainda que contrariado, respeitar a liberdade do teu escolher - essa foi a maior prova que ele, de si mesmo, pôde lhe dar.
Das expectativas que trago em relação ao porvir - que tudo se transforme, pelo tempo, em alicerce de vida, em palavra bem-dita, em memória indolor, em história da minh'alma.
, porque eu quero esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer esquecer e eu admito ter que usar um monte de clichê para te dizer da minha revolta, que é tão apaixonada, e eu não acho difícil esquecer o que foi vivido; o pior é confiar no futuro, no que ainda é possível (ou não) de ser vivido depois de o vivido-de-fato ter me doído tanto e tanto e o sabor é tão amargo (juro que sinto um gosto amargo na boca ao escrever/sentir tudo isso), e eu abomino que você realize com a-que-não-sou-eu os planos que fizemos para nós dois - que pensassem em planos, rotas e lugares outros, porra!, você sabe a crueldade que é macular até um sonho? não, você não sabe, porque essa tua ingenuidade é egoísta e irresponsável, ah, como esse teu esforço de bondade me irrita!, como a labilidade dos teus lábios e afetos me convence!, e eu queria te ferir como eu fiz com os cartões que você me deu, que, amassados, nunca mais poderão prometer a ninguém o que quer que seja, nem mesmo um amor intenso e errado como foi o nosso, que serviu de 'experiência' para você e te abriu os olhos para um monte de coisa que você tinha o dever de ter olhado antes de me meter no meio da tua vida (esse amargo na boca me dá náuseas, assim como me enjoa reler as frases que você citou para mim e ouvir as músicas que você me ofereceu - não que eu o faça de propósito - por mim essas frases e canções poderiam desaparecer) e me vem uma ânsia legítima de te perdoar (me disseram que não é questão de perdão, mas eu já nem sei), mas o meu ódio te ama tanto que eu ainda não consigo, e eu só faço lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar lembrar da urgência de te esquecer, para poder seguir adiante, como eu me/te prometi. e eu... e você... e o salto, e a queda, e o fim,
a cor dei : azul para hoje (de um céu convidativo) : cinza para ontem (de algumas lembranças sombrias) : branco para amanhã (com todas as possibilidades de cor em si).
t. prates
Inspirado em
"A-cor-dar: dar ao dia a cor que a gente quiser.", tweet de Flávia Queiroz.
foi-se o caso em que era uma vez a moça. a moça era. era tanto que se excedia em ser, e se atrapalhava toda quando tinha que estar.
estar exigia borda - havia de conter o ser para caber em si de forma a se dar
aos outros. dava-se de menos ou de mais - sempre errava na medida (talvez dar-se na medida seja a santidade/perfeição humana).
os outros. que não eram o inferno - havia candura no seu olhar-de-ver. ela olhava demais, de visão de dentro atenta para o fora profundo que são os outros.
dos outros se compadecia. não por ser melhor, mas por reconhecer a dificuldade própria no alheio: estão todos atrapalhados nas doses de si.
, como se tudo o que eu soubesse fosse fingir. mas não é um fingir hipócrita, de intenção pensadamente enganosa. (quem dera fosse engano.) é um fingir autêntico. desesperado. resiliente. finjo palavras. forjo sentires. finjo sorrisos. forjo desamor. mas não é um desamor autêntico, de motivação intrinsecamente odiosa. é um desamor hipócrita. falso. fingido. eu forjo desamor para tentar fingir que a vida segue inócua. sem rasuras. remediada. mas eu (te) amo. (você não me ensinou a desamar.)
(A noite vem.) A noite vem. e quando cessam as luzes, os sons, as imagens, as esperanças, não se foge à solidão. solidão é imune ao escuro. e eu, cansada e inteira, lembro-me que eu havia fingido. fingido para escapar. para (sobre)viver. para me misturar às matizes do dia para enganar a dor. (Mas a noite vem.) E olho, desa(r)mada, os olhos que antes sorriam - hipócritas. Hipocrisia me faz chorar. (De tanto fingir, quem sabe um dia eu me surpreendo com a cura. Até lá, preciso seguir distraída.)
Amanhã tem dia. É preciso que os olhos estejam secos.
t. prates
"O anel que tu me deste era de vidro e se quebrou e o amor não acabou, mas em lugar de, o ódio dos que amam."
[Clarice Lispector
na crônica Tempestade de almas]
(Prólogo)
Crua.
receio do novo. intuição da dor.
amante da verdade. trauma do falso.
intensidade na entrega. aceitação do risco.
novidade de afeto. amor de ambos.
urgência de vida. pés no chão.
sigo expectante.
(Corpo)
Nua. espectros de luz. espasmos de gozo. transbordamento de sentires. inundação de quereres.
excesso de ânsia. falta de calma.
nós de nós. teu em mim. partes de corpo. inteireza de alma.
sigo desejante.
(Epílogo)
Tua. manhã de domingo. beijo na cama.
música de cor. canção de amor. partilha de sonho. bilhete de avião. cartão de poesia. sussurro de esperança.
abraço de despedida. lágrima de fim.
"E eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta." [Clarice Lispector,
no excerto As crianças chatas, do livro A descoberta do mundo]
***
"Ensina" Camus que é preciso (é preciso, meudeus!) imaginar Sísifo feliz.***
Imagem original: El mito de Sisifo Texto e edição meus.
Outra reflexão minha sobre a questão, aqui.
você se dá conta de como a palavra é frágil? de como ela não é capaz de sustentar, por si mesma, fatos, planos, sonhos ou estados de ser? de como ela se dis-sol-ve à força do acaso, do devir, da vida que vem como maremoto?
eu me dou conta de como o domínio da palavra se estende, precariamente, apenas no aqui-e-agora? que o advento de poetas e cantadores nunca cessará, porque apesar de se cantar o que é eterno, a palavra nunca é definitiva? (isso me é impressionante: nunca (e aqui ouso dizer com todas as letras): NUNCA haverá um poema definitivo; tampouco uma música definitiva, uma obra de expressão humana definitiva).
você se dá conta de como a palavra é feroz? de como ela dá vida (ao que já contém em si semente de vida) e de como pode matar? de como é intensa sua ação de cura e também de dilaceração?
eu me dou conta de como palavras que pertencem à esfera do amanhã são puro ato de fé? que verbos conjugados no futuro é apenas uma aposta? (exceto o verbo morrer, de cumprimento garantido). e o quanto essa aposta no futuro tantas vezes nos faz conjugar mal os verbos que nos são possíveis-no-hoje (e possíveis só porque é hoje)?
você se dá conta de como a palavra pode ser dúbia? o quanto a boca também pode falar do que não-está cheio o coração? o quanto as palavras podem ser hipócritas? (o que não é possível ao sentir - pois sentir é inteiro: ou é ou não-é).
à palavra, como símbolo que é, só cabe aludir. e aludir é um esforço autêntico de representar, mas que acaba, tantas vezes, por limitar o real, dominá-lo e subjugá-lo. o real é sempre mais. o real é indomável.
e eu me dei conta de que existe algo que sobrepõe em força todas as limitações da palavra.
algo que é, de fato, o combustível humano em absolutamente todas as suas manifestações: o desejo. nada é feito sem ele. nenhum poema, nenhuma canção, nenhum tratado, estudo, experimento, negócio, relação - de que tipo for. nenhuma vida é feita e mantida e sobrevivida sem desejo. (e, como o sentir, pois é do domínio do sentir, o desejo é inteiro: ou é ou não-é).
e não: isso não é um "manifesto contra a palavra". é apenas reflexão. (e - talvez! - uma apologia ao desejo... Rs.)
ainda que na sua fragilidade, fugacidade, ferocidade, dubiedade - a palavra, muitas vezes, é o que me salva - legítima "palavra da salvação".