27 de dez. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da imanência


contemplo o céu
com os dedos enfiados na terra
e não há metafísica melhor.


t. prates


"(...)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
(...)"

[Alberto Caeiro/Fernando Pessoa,
em
Há metafísica bastante em não pensar em nada]
16 de dez. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do pequeno ensaio sobre a vida neutra



Tenho pressa do tempo que cura. Do tempo que faz a dor virar resquício e alicerce de vida.

Do tempo que cura a vida em mim e lhe devolve seu atributo fundamental - que é o de ser neutra.
A vida em si é de um cinza neutro, maravilhosamente indiferente e impregnado. A vida se dá cinza.
As cores com as quais tento pintá-la são sempre artificiais - o que digo sem intenção pejorativa. Artificiais porque não lhe são intrínsecas, mas sempre dadas de fora, num esforço e exercício contínuos.
E se, com esforço, tento pintar a vida com tons alegres e agradáveis, também o acaso (?) é um grande pintor (sempre mais eficiente que eu?), com preferência (apesar das surpresas) por tons incômodos e austeros.
Mas chego ao que queria dizer: sendo eu ou sendo o acaso, a pintura é externa à vida, que continua redundantemente neutra.
(Não sei se você alcança o que eu quero dizer, nem mesmo se eu alcanço com a expressão a compreensão disso que consigo sentir. Mesmo porque não é sempre que eu consigo sentir, tão empenhada eu fico na coloração da vida - a minha pintura contra a do acaso).
E eu tenho pressa do tempo que escorre as cores que eu não quero, ainda que saiba que as cores que eu quero também vão escorrer.
Sinto que a felicidade - ou o mais perto que disso consigo chegar - está em descobrir esse tom cinza da vida. E felicidade me soa muito colorido: melhor falar em paz.


t. prates



Com efeito, uma única e mesma coisa
pode ser boa e má ao mesmo tempo
e ainda indiferente.
[Spinoza]

Não há fatos,
apenas interpretações.
[Nietzsche]

3 de dez. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da poesia encarnada


Imagem daqui modificada por mim.
2 de dez. de 2010 0 Declarações de outras almas

Desculpe o transtorno...



... estou em construção.
16 de nov. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da palavra-flor



a palavra está em semente

a chuva, escassa
a terra, seca
a voz, rouca
o grito, mudo
as mãos, pendidas
os pés, cansados
os cabelos, presos
as roupas, gastas
os prazos, esgotados
o tempo, corrido
o carro, quebrado
as unhas, roídas
a lua, minguante
o canteiro, esquecido.

vingará a semente?
(preciso cuidar dela!, como preciso...)

- eu não gosto de flores de plástico.

t. prates

Imagem daqui.
5 de nov. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da confissão



confesso o meu grande pecado:

‎.mesma mim de contramão na ando
e faço o avesso do que ojesed.

t. prates



"Você sabe rezar?
— O quê? perguntou ela em sobressalto.
— Não rezar o Padre-Nosso, mas pedir a si mesma,
pedir o máximo a si mesma?"
[Clarice, em "Uma aprendizagem
ou o livro dos prazeres"]

28 de out. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da gula




estou faminta!
: tua falta
me alimenta.

estou sedenta!
: tua boca
me entorna.

estou farta!
: tua presença
é um banquete.

t. prates

Imagem daqui.
19 de out. de 2010 0 Declarações de outras almas

(Dos parêntes(es) políticos)


o teu sorriso não nega
: fostes muito bem treinado.
tivesses, tu, um número
e serias meu candidato.

t. prates

se correr, o bicho pega;
se ficar, o bicho come
- sorrindo.
10 de out. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do inVento

invento um
   vento que sopra embora as cinzas dessa dor
                           embora as cinzas dessa dor
sejam o ponto de partida dessa força que me
                                             força a seguir e a me
re-inventar nas idas e vindas desse poema dessa

                                vi(n)da que não para e por vezes me
que-
      bra e faz pe
                     da
                     ços com os quais monto
mo sai cos
                                                        cos mo sai
                                                        sai cos mo

e que, apesar da aparência es   /   qui   /   zo
me trazem algum sentido
(o sentido!, meudeus)
e consigo descobrir na des-ilusão os pedaços de verdade que eu tanto procuro.
e sigo.
   sempre avante
                             sempre avante
                                                       sempre avante
                                                                                  sempre avante
5 de out. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do varal



(...)
quem sabe um dia, talvez,
nossas roupas outra vez
se encontrem num varal
lavadas,
passadas,
penduradas,
perdoadas...
(...)


Esse vídeo foi editado por mim, com uma canção que me emociona muito - O varal, de autoria de um querido amigo-mineiro, Marinho San, e Sandro Livahck.
Espero que vocês também gostem.

Um abraço,

TP.
22 de set. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do prelúdio para acordar sapos (e sapas)




bem te quis
quando era uma vez.

(bem me quis
de rainha do rei.)

mal te quis
quando tua veste de gala ruiu.

(mal me quis
quando meu castelo de areia caiu.)

mal te quero
por te fingires príncipe, se sapo.

(mal me quero
quando o espelho mente, e me calo.)

bem te quero
em um reino de mim tão distante.

(bem me quero
quando guardo esse livro na estante.)

t. prates

Imagem: Masha Maklaut
20 de set. de 2010 0 Declarações de outras almas

Dos uais-sô




umedeço o olhar nos teus horizontes
absorta no belo das tuas bordas e gentes,
inundada do teu jeito manso/feroz de ser

e : contigo.

Para os belorizontinos
(dessas Mulheres com Éme-Maiúsculo)
e Pedro Paulo
(desses 'mineirins dos mais doces!).

t. prates


Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar,
do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo.
Só isto, quase; e os todos sacrifícios.
Ou - amigo - é que a gente seja,
mas sem precisar de saber o por quê é que é."
[Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas]
11 de set. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do primeiro livro a gente nunca se esquece

Eis que do projeto/espaço voltado à poesia feminina, Maria Clara: simples mente poesia, nasce o nosso livro coletivo, organizado por Hercília Fernandes, cujo objetivo central é evidenciar a literariedade contida na diversidade dos universos femininos que habitam o Maria Clara: simples mente poesia.
O livro foi publicado pela Editora LivroPronto, de São Paulo.





maria clara
uniVersos femininos


Várias Autoras
Org.: Hercília Fernandes

Prefácio:
Ana Santana Souza de Fontes Pereira

Apresentação:
Hercília Fernandes

Capítulos:

I - Adriana Godoy
II - Adriana Riess Karnal
III - Hercília Fernandes
IV - Lara Amaral
V - Lou Vilela
VI - Maria Paula Alvim
VII - Mirze Souza
VIII - Nina Rizzi
IX - Renata Aragão
X - Talita Prates
XI - Úrsula Avner
XII - Wania Victoria

Posfácio:
Nina Rizzi

Editor Responsável:
João Antonio Carvalho

LivroPronto Editora
São Paulo-SP


Para compartilhar dessa grande conquista minha-nossa, venha comigo por aqui, por favor, ou envie-me um email (taprates@gmail.com).

30 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Dos elementos de vida

cavou e encontrou
a palavra-tesouro
: terra.




voou e sorveu
a palavra-leve
: ar.

ardeu e forjou
a palavra-forte
: fogo.




mergulhou e bebeu
da palavra-fluida
: água.









amou e descobriu
a palavra-certa
: vida.


t. prates

Arte de Steve Gardner

*Poema originalmente publicado no blog "Maria Clara - SimplesMente Poesia"
23 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do poder poético




decreto
(pois que n'um poema eu posso tudo)
a existência do verbo
(e da experiência,
que é o mais importante)
p o e m a r.
(eu poema,
tu poemas,
ele poema,
... e etc.,
para todos os sujeitos e tempos.)

afinal,
tudo posso
no poema
que me esclarece.

t. prates

Imagem:
Tilemahos Efthimiadis
17 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da palavra matriz





t. prates


Imagem: Erica
13 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da faxina



todo dia de manhã
ela limpava
esfregava
remexia
asseava
enxaguava
alvejava
aparava
encerava
purificava
o sentimento.
não gostava de amor empoeirado.
o zé?
o zé felizmente fazia a parte dele
e não entrava em casa com os pés sujos.


t.prates



"Todos os dias, quando acordo,
vou correndo tirar a poeira da palavra amor..."
(Clarice Lispector)

Imagem daqui, editada por mim.
Poema originalmente publicado na Confraria dos Trouxas.
4 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Da epifania



hoje o deus gritou comigo
no silêncio do quarto vazio
: talita cumi!*

obedeci.
(quem sou eu para não fazê-lo?!)

depois confiou-me
sussurrante ao ouvido
o segredo insondável dos céus e da terra
: aquele grito era meu.

t. prates

*"Menina, levanta-te", em hebraico.
Encontrado em Mc 5, 41.

1 de ago. de 2010 0 Declarações de outras almas

Do soneto do amor intrépido




Admito a cadência vacilante
dos meus passos em tua direção.
O receio da dor, paralisante
quebra a marcha e confunde o coração.

E não é, senão, o amor aquele instante
que se salta, sem ver do abismo o chão?
Tal audácia não se exige do amante
que pretenda, para o amor, coroação?

Não há regra, certeza ou vantagem.
Grande é o risco, e maior a coragem
que se exige para este passo além.

Se às dúvidas e medos sobra margem
que o ousar seja a intrépida vantagem
de quem quer somar-se à vida de alguém.


t. prates

> Imagem: Martin Stranka
> Soneto originalmente publicado na Confraria dos Trouxas.
26 de jul. de 2010 24 Declarações de outras almas

Das sendas


Imagem: Argijale

t. prates


Quando já estava com os pés em carne viva,
descobri o verdadeiro sentido da vida,
e era para o outro lado.
Felipe A. Carriço, no seu blog Não me faz pensar
16 de jul. de 2010 51 Declarações de outras almas

Da discordância



aprendi a desdenhar
da força das lembranças
dos amores findos


: das boas,
faço canção e componho sorrisos.

: às ruins,
esfrego na cara o poder do tempo.

procuro viver de presentes,
e ouso discordar de Adélia
*:
professo que:o que a memória amou
pode virar passado,
assim como a conjugação do verbo.

t. prates


*Adélia Prado,
para quem "o que a memória amou fica eterno".

> Imagem daqui.
 
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