31 de dez. de 2012 5 Declarações de outras almas

Da notícia de certas coisas



(minha alma precisa te dizer coisas
as quais me parecem não querer ser comunicadas
- pela palavra, soariam vagas e dúbias
- pelo corpo, violentas e sem a sutileza que exigem.
resta-me desejar, na esperança de um meio-termo,
que os teus olhos compenetrados e febris
alcancem nos meus,
como que por sintonia mágica e muda,
a revelação secreta e contundente
da notícia que nem mesmo eu sei me dar.)
 
t. prates
27 de nov. de 2012 9 Declarações de outras almas

Des-ser


às vezes eu queria
um não-estar
sem precisar morrer
(morrer é muito
definitivo.)

t. prates
9 Declarações de outras almas

D'água




faço tempestade
em olhos
d'água.



t. prates
31 de ago. de 2012 10 Declarações de outras almas

Dos (a)braços, do (a)deus


há braços, de fato.
abraços, por sorte.

há deus, por fé.
adeus, por força.

t. prates

21 de ago. de 2012 6 Declarações de outras almas

De vagar



Sou de vagar
[imensidão
por dentro].



t. prates
6 de jun. de 2012 11 Declarações de outras almas

Do que ascende


hoje vi um menino
riscando um fósforo
e apontando para o céu.
(acho que ele queria acender uma estrela.)

t. prates
25 de abr. de 2012 21 Declarações de outras almas

Da paisagem


minhas retinas
teimosas 
retêm 
os traços
do teu tato 
: meus olhos (res)sentem,

(por vezes,
o que está dentro das pálpebras 
faz mais paisagem do que está fora.)


21 de abr. de 2012 22 Declarações de outras almas

De'ságua


.                 .               ainda que lave         .                       .
          .           .      .   a chuva lá fora    .           .            .
    .          .          .  tem gosto de lágrima.       .       .     .      .

  .     .         .    .         ainda que leve  .          .          .      .
.             .            .   o choro cá dentro    .           .         .       
     .      .       .         tem peso de chuva.       .         .          .


7 de abr. de 2012 15 Declarações de outras almas

Da sublimação

Troche

você disse que
abre aspas
és o meu poema
não escrito, porque vivente,
de rimas imperfeitas, porque humana,
pulsante, porque de ossos, carne e sangue,
fecha aspas,
e eu quero te dizer que
(
ainda que ser o teu poema
fizesse com que eu existisse
com uma precisão invejável
)
eu quero apenas te ser
a tua mulher,
o feminino de um masculino,
um corpo no seu corpo,
a fazer versos inscritos
no corpo (porque em qualquer outro lugar me parece tão insustentável);
eu que, de tanta alma,
me esqueço da matéria viva de que sou feita;
eu que, de tanta alma,
troco a sublime ação por sua mera contemplação, o que tira o atributo de vida vivida, restando apenas a vida pensada,
(e isso que era pra ser um poema metalinguístico toma forma de um desabafo metafísico (definitivamente não sei ser só corpo) e prosaico (tão digno tanto um poema, por que não) e (me deixa abusar da pontuação para cercear o que quer explodir justamente para não ser domado, para não poder-ser-dito, me deixa?) eu me perco. e eu te peço que me ajudes a me achar. 
(se não encontrada, de que outra forma serei tua? de que outra forma poderei sequer ser minha?).
você disse que
eu sou o teu poema,
mas eu sequer sei me ser.



15 de mar. de 2012 18 Declarações de outras almas

Da mudez em nudez


poeme-me em prosa, 
língua, boca,
verso, inverso, 
laço e abraço. 
façamos 
corpo e nudez
onde há apenas
intenção e mudez. 




28 de fev. de 2012 17 Declarações de outras almas

Do vazio cheio


sobretudo quando tudo sobra 
na falta que verte e surpreende
feito balão colorido - que 
se não abrigasse um vazio cheio
não subiria para fazer brilhar 
olhinhos de criança
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
(sobre quê é seu poema?
eu não sei. foi por isso que escrevi.)


t. prates
Imagem daqui.
27 de fev. de 2012 14 Declarações de outras almas

Do exercício de prosa


havia decidido: a partir dali, tomaria as rédeas de tudo. Que não lhe acusassem de comodismo ou inércia – haveria de fazer por merecer a vergonha do fracasso ou as honrarias de sua glória. Até então, assumia: tinha apenas brincado de viver. Mais do que isso, tinha tido preguiça da vida. Abrir a porta do quarto pela manhã era como atravessar a fronteira rumo a um reino inóspito e inimigo. Tudo lhe aborrecia e parecia demasiado desnecessário: votos de bom dia com cheiro de café, ruas paradas pelo trânsito lento, e-mails estúpidos marcados como urgentes, contas abertas sobre a mesa. Preciso pagar as contas ainda hoje, pensava com lucidez. (A lucidez de quem sabe que o domínio da realidade pode ser menos perigoso que a rendição à fantasia, ainda que essa tanto nos descanse). As contas. Os compromissos na agenda. O carro para abastecer. E eu queria desaparecer mas prometi a mim mesma que a partir de hoje tomaria conta de tudo, ainda que tudo me doa, ainda que tudo pareça tão simples aos olhos dos outros, ainda que tudo me amedronte e me pese e pareça sempre tão mais forte que eu. (...) e (...). Respirava. (...) e (...). Fechava os olhos por instantes como que para estancar aquilo sem nome que de dentro dela parecia querer sair. (Não eram lágrimas – havia desaprendido a chorar. Chorar e rezar eram duas coisas que havia desaprendido, e isso lhe fazia falta, por mais que negasse. Aprendera a rezar apenas pra si mesma; piedosa de si, acreditava que só ela podia atender aos próprios anseios. Ninguém mais. Absolutamente ninguém mais. Não, ninguém mais havia que cumprisse esse papel. Era devota e deusa de si, ainda que isso fosse tão precário e frágil). 

[Continua, um dia...]

[Esse texto é um exercício que fiz para a Oficina de Criação Literária da qual estou participando. Decidi publicar também no blog, mesmo sem terminar, porque... porque... porque sim. Aguardo a apreciação de vocês!]
22 de fev. de 2012 10 Declarações de outras almas

Da cura


(lou)curo-te
em minhas
(in)sanidades
(sor)rio-te
em
(a)mar.


t. prates


Imagem daqui.
11 de fev. de 2012 10 Declarações de outras almas

D'a dor me ser


a
dor
me
sendo.
[haverá
sol
de
dentro
pela
manhã
?]


t. prates
7 de fev. de 2012 11 Declarações de outras almas

D'eu, rio

.
.
.


|                                          |
|                                          |
|                                          |
|                                          |
| margens que delimitam  |
|   mas  também definem  |
|                                          |
|              eu  -  rio              |
|                                          |
|                                          |
|                                          |


.
.
.
30 de jan. de 2012 14 Declarações de outras almas

Do poema lúdico e sem rima


tem uma janela no meu pôr-do-sol,
um peito na minha saudade,
um corpo no meu amor,
uma boca no meu céu,
um talvez no meu nunca,
uma voz no meu silêncio,
um sol na minha clave.


tem uma falta na minha esperança,
uma paixão no meu ódio,
um pensar no meu excesso,
um sentir no meu drama,
um absurdo no meu sentido,
um sentido no meu sintoma,
um desejo no meu recalque.


tem um cotovelo na minha dor,
um canto de boca no meu sorriso,
uma fé na minha descrença,
um caminho na minha pedra,
um até breve no meu adeus,
uma garganta no meu nó,
um verso no meu clichê.


tem de tudo no meu poema
- que não tem uma rima sequer.


t. prates
18 de jan. de 2012 15 Declarações de outras almas

Da canção recantada

Segue minha versão alternativa para Eu te amo, do Chico e do Tom.
Quem quiser cantarolar junto, aproveite o vídeo abaixo, com um instrumental lindo, no violão, da canção.



Eu não te amo 


ah, já é tão tarde pra dizer que é cedo 
e o que está dentro ainda causa medo; 
te peço agora que me deixes ir. 

 ah, se ao me conhecer 
perdeste os sonhos e teus devaneios, 
se aos meus rios teu barco é alheio 
te digo que é hora de seguir. 

se'os nós do teu passado ainda são presentes 
se eles te fazem, de nós, tão ausente, 
estrada não há melhor que a de partir. 

se meu coração não foi pra ti um céu, 
se, teu destino, tu crês num papel 
a minha sorte é poder esquecer. 

quando eu ponho ordem nas minhas gavetas 
tuas cartas risco com minhas canetas 
para impedir tuas letras de viver. 

quando o nosso amor eu supus tão divino 
teus atos me alertaram o desatino, 
mas já'era tarde pra tentar fugir. 

sim, tanto me salva me fingir de tonta 
negar o amor pra te fazer afronta, 
agora conta: como hei de mentir? 


(PS: que Tom e Chico me perdoem a heresia desse re-canto.) 
(PS 2: paródia escrita especialmente para participação no blog Confraria dos Trouxas, que propôs a escrita de um texto a partir da canção dos mestres.) 


t. prates
14 de jan. de 2012 16 Declarações de outras almas

Da ode solar



desse denso pano negro 
de estrelas penduradas 
nascer uma luz antes inconcebível 
a pintar o céu de azul 
é um milagre 
, apenas um milagre 
ao qual nos acostumamos. 


e o milagre declina 
durante as horas 
para se fazer promessa 
aos que adormecem 
e (re)nascimento 
aos que despertam. 


 t. prates 

 ... ... ... 

 o bonito da vida é esse amanhecer teimoso, 
que insiste em ter fé em nós 
- ainda que nem sempre essa fé seja recíproca.


Imagem: Onanus
13 de jan. de 2012 9 Declarações de outras almas

Da sol-idão e lua



[haicai diurno]

sob o sol do meio-dia
solidão é quente e farta 
nem sombra faz companhia. 



[haicai noturno]

meia-noite sob o céu
solidão é clara e mansa
pinto a lua no papel.



t. prates
11 de jan. de 2012 13 Declarações de outras almas

Do poema platônico

eu e ele brincamos 
de poesia 
porque não podemos 
brincar 
de amor. 
(amor exige corpo. 
poesia é menos exigente 
e se contenta só 
com alma.)

t. prates 

Imagem original daqui, editada por mim.
4 Declarações de outras almas

Da canção contra o fim do mundo

Imagem daqui.

quando meus ombros
não suportam o peso do mundo,
eu canto.
(: é um canto tanto de palavra.)

 
escrever/dizer/cantar o mundo
é uma forma de sustentá-lo, vivo,
de poupá-lo do fim,

de redimir-se da dor,
de salvar-se do caos.
 

salvemo-lo-nos.

t. prates



3 de jan. de 2012 8 Declarações de outras almas

Do amor imaginável


ousa querer-me
para além do que
pensas que sou
- o que ficar poderá ser objeto de amor.
o resto terá sido imaginação
(o que é responsabilidade tua.)

t. prates
 
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