no corpo (porque em qualquer outro lugar me parece tão insustentável);
eu que, de tanta alma,
me esqueço da matéria viva de que sou feita;
eu que, de tanta alma,
troco a sublime ação por sua mera contemplação, o que tira o atributo de vida vivida, restando apenas a vida pensada,
(e isso que era pra ser um poema metalinguístico toma forma de um desabafo metafísico (definitivamente não sei ser só corpo) e prosaico (tão digno tanto um poema, por que não) e (me deixa abusar da pontuação para cercear o que quer explodir justamente para não ser domado, para não poder-ser-dito, me deixa?) eu me perco. e eu te peço que me ajudes a me achar.
(se não encontrada, de que outra forma serei tua? de que outra forma poderei sequer ser minha?).
havia decidido: a partir dali, tomaria as rédeas de tudo. Que não lhe acusassem de comodismo ou inércia – haveria de fazer por merecer a vergonha do fracasso ou as honrarias de sua glória. Até então, assumia: tinha apenas brincado de viver. Mais do que isso, tinha tido preguiça da vida. Abrir a porta do quarto pela manhã era como atravessar a fronteira rumo a um reino inóspito e inimigo. Tudo lhe aborrecia e parecia demasiado desnecessário: votos de bom dia com cheiro de café, ruas paradas pelo trânsito lento, e-mails estúpidos marcados como urgentes, contas abertas sobre a mesa. Preciso pagar as contas ainda hoje, pensava com lucidez. (A lucidez de quem sabe que o domínio da realidade pode ser menos perigoso que a rendição à fantasia, ainda que essa tanto nos descanse). As contas. Os compromissos na agenda. O carro para abastecer. E eu queria desaparecer mas prometi a mim mesma que a partir de hoje tomaria conta de tudo, ainda que tudo me doa, ainda que tudo pareça tão simples aos olhos dos outros, ainda que tudo me amedronte e me pese e pareça sempre tão mais forte que eu. (...) e (...). Respirava. (...) e (...). Fechava os olhos por instantes como que para estancar aquilo sem nome que de dentro dela parecia querer sair. (Não eram lágrimas – havia desaprendido a chorar. Chorar e rezar eram duas coisas que havia desaprendido, e isso lhe fazia falta, por mais que negasse. Aprendera a rezar apenas pra si mesma; piedosa de si, acreditava que só ela podia atender aos próprios anseios. Ninguém mais. Absolutamente ninguém mais. Não, ninguém mais havia que cumprisse esse papel. Era devota e deusa de si, ainda que isso fosse tão precário e frágil).
[Continua, um dia...]
[Esse texto é um exercício que fiz para a Oficina de Criação Literária da qual estou participando. Decidi publicar também no blog, mesmo sem terminar, porque... porque... porque sim. Aguardo a apreciação de vocês!]
tem uma janela no meu pôr-do-sol, um peito na minha saudade, um corpo no meu amor, uma boca no meu céu, um talvez no meu nunca, uma voz no meu silêncio, um sol na minha clave.
tem uma falta na minha esperança, uma paixão no meu ódio, um pensar no meu excesso, um sentir no meu drama, um absurdo no meu sentido, um sentido no meu sintoma, um desejo no meu recalque.
tem um cotovelo na minha dor, um canto de boca no meu sorriso, uma fé na minha descrença, um caminho na minha pedra, um até breve no meu adeus, uma garganta no meu nó, um verso no meu clichê.
tem de tudo no meu poema - que não tem uma rima sequer.
Segue minha versão alternativa para Eu te amo, do Chico e do Tom. Quem quiser cantarolar junto, aproveite o vídeo abaixo, com um instrumental lindo, no violão, da canção.
Eu não te amo
ah, já é tão tarde pra dizer que é cedo
e o que está dentro ainda causa medo;
te peço agora que me deixes ir.
ah, se ao me conhecer
perdeste os sonhos e teus devaneios,
se aos meus rios teu barco é alheio
te digo que é hora de seguir.
se'os nós do teu passado ainda são presentes
se eles te fazem, de nós, tão ausente,
estrada não há melhor que a de partir.
se meu coração não foi pra ti um céu,
se, teu destino, tu crês num papel
a minha sorte é poder esquecer.
quando eu ponho ordem nas minhas gavetas
tuas cartas risco com minhas canetas
para impedir tuas letras de viver.
quando o nosso amor eu supus tão divino
teus atos me alertaram o desatino,
mas já'era tarde pra tentar fugir.
sim, tanto me salva me fingir de tonta
negar o amor pra te fazer afronta,
agora conta: como hei de mentir?
(PS: que Tom e Chico me perdoem a heresia desse re-canto.) (PS 2: paródia escrita especialmente para participação no blog Confraria dos Trouxas, que propôs a escrita de um texto a partir da canção dos mestres.)
desse denso pano negro de estrelas penduradas nascer uma luz antes inconcebível a pintar o céu de azul é um milagre , apenas um milagre ao qual nos acostumamos.
e o milagre declina durante as horas para se fazer promessa aos que adormecem e (re)nascimento aos que despertam.
quando meus ombros não suportam o peso do mundo, eu canto. (: é um canto tanto de palavra.) escrever/dizer/cantar o mundo é uma forma de sustentá-lo, vivo, de poupá-lo do fim, de redimir-se da dor, de salvar-se do caos. salvemo-lo-nos.