27 de fev. de 2012

Do exercício de prosa


havia decidido: a partir dali, tomaria as rédeas de tudo. Que não lhe acusassem de comodismo ou inércia – haveria de fazer por merecer a vergonha do fracasso ou as honrarias de sua glória. Até então, assumia: tinha apenas brincado de viver. Mais do que isso, tinha tido preguiça da vida. Abrir a porta do quarto pela manhã era como atravessar a fronteira rumo a um reino inóspito e inimigo. Tudo lhe aborrecia e parecia demasiado desnecessário: votos de bom dia com cheiro de café, ruas paradas pelo trânsito lento, e-mails estúpidos marcados como urgentes, contas abertas sobre a mesa. Preciso pagar as contas ainda hoje, pensava com lucidez. (A lucidez de quem sabe que o domínio da realidade pode ser menos perigoso que a rendição à fantasia, ainda que essa tanto nos descanse). As contas. Os compromissos na agenda. O carro para abastecer. E eu queria desaparecer mas prometi a mim mesma que a partir de hoje tomaria conta de tudo, ainda que tudo me doa, ainda que tudo pareça tão simples aos olhos dos outros, ainda que tudo me amedronte e me pese e pareça sempre tão mais forte que eu. (...) e (...). Respirava. (...) e (...). Fechava os olhos por instantes como que para estancar aquilo sem nome que de dentro dela parecia querer sair. (Não eram lágrimas – havia desaprendido a chorar. Chorar e rezar eram duas coisas que havia desaprendido, e isso lhe fazia falta, por mais que negasse. Aprendera a rezar apenas pra si mesma; piedosa de si, acreditava que só ela podia atender aos próprios anseios. Ninguém mais. Absolutamente ninguém mais. Não, ninguém mais havia que cumprisse esse papel. Era devota e deusa de si, ainda que isso fosse tão precário e frágil). 

[Continua, um dia...]

[Esse texto é um exercício que fiz para a Oficina de Criação Literária da qual estou participando. Decidi publicar também no blog, mesmo sem terminar, porque... porque... porque sim. Aguardo a apreciação de vocês!]

14 comentários:

Maya Quaresma disse...

Tudo o que você escreve é brilhante!

Beijos
Maya Quaresma

Anônimo disse...

E fica aquele gosto de quero mais.

Ígor Andrade disse...

A Talita é "foda"!

Fabrício César Franco disse...

A oficina está sendo proveitosa (ainda que eu ache que são só burilamentos em uma jóia já lapidada). Seja em verso ou prosa, o que você escreve marca.

Beijos!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

ai, amora,
tanto sentimento nas tuas linhas; toca; identifica e deixa a sensação de 'será q agora vai mesmo?'.
[pergunto a ti e a mim...]

(F)

Adriana Godoy disse...

Talita, um exercício com resultado excelente. Bom demais o texto. Beijo

Poeta da Colina disse...

Um passeio bom pela mesma alma.

Voltemos a montar nossas bicicletas, não podemos assim ter desaprendido.

Unknown disse...

Lindo, Talita!

Ainda bem que hoje consegui postar.

Quando tudo sobra, é mesmo maior o vazio!

Beijos

Mirze

Anônimo disse...

Talvez sobre o belo
aos olhos de quem vê,
quer ver...

Fico a seguir.
PAZ!


Seja Bem-vinda
no Cinema Mudo.

Karine Tavares disse...

Talita, que coisa linda! Teu blog é ótimo. Parabéns! Vem conhecer o meu:
www.leiakarine.blogspot.com

Al Reiffer disse...

Parabéns, admirado com a qualidade do teu blog.

Ana Flávia Sousa disse...

" Abrir a porta do quarto pela manhã era como atravessar a fronteira rumo a um reino inóspito e inimigo"

Esse conto se repete diariamente comigo.

Adorei aqui!

Tiane Fróes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tiane Fróes disse...

"Abrir a porta do quarto pela manhã era como atravessar a fronteira rumo a um reino inóspito e inimigo."

É tão mais fácil encontrar determinação pra mudar quando o universo é o seu quarto, lá fora é tudo tão mais difícil de sustentar.

Comecei a seguir seu blog por indicação da @olhosestrelados, gostei bastante mesmo. Notei que você cursa psicologia, é o que eu pretendo fazer também.
Boa sorte, no curso, no blog, na vida.

 
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