
Ela queria encontrar a verdadeira vida.
A vida além da palavra, da metáfora, das classes e categorias. A vida além dos dogmas, da moral, dos traumas. A vida em si, que resplandece de tanto e só ser vida.
Sabia o perigo da ousadia de querer tocar o mistério: cegar-se pela contemplação de tanta luz.
“A vida pura é tão brilhante quanto o sol”, deduzia.
Já empreendera tanto esforço nesse caminho que pensava que a busca talvez fosse a própria plenitude do viver. Mas isso lhe parecia pouco, porque era uma busca através das palavras e ela intuía que nem tudo é passível de ser pensado. À vida só pensada faltava cor e sobrava absurdo e termos complicados.
Suspeitava (nunca haveria de ter resposta certa) que o prazer de provar dessa abundância lhe seria concedido caso reconhecesse e libertasse as tantas almas que trazia dentro de si. E que a cada uma coubesse buscar, com entusiasmo*, seus pequenos sentidos autênticos onde melhor lhe aprouvesse, na alegria ou na dor, no tangível ou no etéreo, na razão ou na loucura.
t. prates
* entusiasmo vem do grego e significa ter deus dentro de si.
"Ah, Harry,
quanta miséria e desatino temos de passar
para chegar a casa!
E não temos ninguém que nos guie,
a não ser nosso desejo de chegar."
(Hermann Hesse, O lobo da estepe)
"Tão secreta é a verdadeira vida que nem a mim,
que morro dela,
me pode ser confiada a senha,
morro sem saber de quê."
(Clarice Lispector)