que eu procuro a desrepetição e não quero usar o tique-e-taque do relógio na parede como metáfora do tempo inexorável que passa por mim e que me é (quem é alguma coisa fora do tempo?) para te dizer da pressa voraz que eu tenho da vida ainda que tantas vezes eu conclua que ela é demais (ou de menos?) para mim, que ela chega atroz no meu encalço e roça meus cabelos como vento impetuoso – e eu sei que estou usando metáforas batidas e repetidas, mas – doce ilusão -, como escapar da força que o clichê tem para comunicar? e roça meus cabelos como vento impetuoso e como animal feroz que quer acarinhar e não sabe a medida e acaba ferindo, e a vida se me mostra tão cheia de adjetivos que me escapa a pureza das coisas que simplesmente são e que prescindem de qualidade, como a capacidade didática da dor – mas eu não quero falar da capacidade didática da dor porque pode parecer que eu tomo partido do sofrimento e eu sei (sim, eu sei!) como ser alegre é muito melhor, mas a vida exige muito mais que ser alegre – a alegria pura não é vida, não existe um único exemplar da espécie humana que se saiba só alegre, e fico tentada a te falar do caráter paradoxal da vida, mas isso já é interpretação e eu estou ávida, já disse, pela crueza das coisas, porque nomear já limita, quanto mais caracterizar... e não!, não me peça moderação com esses teus olhos estóicos porque eu já fui morna demais até aqui e sinto que se eu não tocar a vida com urgência tudo vai me escapar, tudo terá sido e será em vão, até a repetição, e eu insisto (confusamente) em te dizer (bis)
t. prates
Imagem: Can eat the sun
t. prates
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
(...)
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
(...)
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos
[Álvaro de Campos,
"Passagem das horas", trecho]
"Passagem das horas", trecho]
Imagem: Can eat the sun
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